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PROCESSO: 0001141-32.2012.5.04.0411 RO
EMENTA
HORAS EXTRAS. Ainda que o autor exerça atividade externa, sendo possível o controle de jornada por parte da reclamada, com a exigência de comparecimento na sede da empresa ao início e término do dia de trabalho, é de ser afastar art. 62, inciso I da CLT,norma restritiva de direito que demanda interpretação restrita. Apelo não provido.
ACÓRDÃO
por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.
RELATÓRIO
Contra a sentença de parcial procedência (fls. 185/188), recorre ordinariamente a reclamada (fls. 189/195), buscando a reforma do julgamento quanto aos seguintes aspectos: 1) horas extras; 2) intervalos intrajornada; 3) honorários advocatícios.
Com contrarrazões do reclamante (fls. 200/201), os autos são encaminhados a este Tribunal para julgamento.
VOTO RELATOR
DESEMBARGADORA IRIS LIMA DE MORAES:
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
1. HORAS EXTRAS
A sentença condenou a reclamada ao pagamento de horas extras, com as seguintes especificações: "excedentes a 8a e 44a hora semanal, com os adicionais previstos em norma coletiva de trabalho e, na ausência destes o legal, observado o horário das 6 horas às 12 horas e das 13 às 17h30min, de segunda-feira a sexta-feira e em dois sábados por mês, das 6 horas às 12 horas, com integrações em aviso prévio, 13º salários, férias com 1/3 e FGTS com 40%, com exceção dos dias que recaírem em feriados, férias e outras ausências comprovadas nos autos" (fl. 187-verso).
A reclamada busca a reforma, asseverando que a atividade do reclamante se enquadra no art. 62, inciso I consolidado. Sucessivamente, pede, com base na prova oral, a redução da jornada arbitrada. De segunda a sexta-feira, pugna pela limitação do fim da jornada para até, no máximo, as 17 horas. Quanto aos sábados, pleiteia a exclusão do labor nesses dias ou, pelo menos, a redução da frequência estabelecida. Por fim, postula que, em caso de manutenção da condenação, esta se restrinja ao pagamento do adicional de horas extras, e não da hora acrescida do adicional, argumentando que o valor da hora normal já foi adimplido no salário.
Analiso.
O reclamante trabalhou para a reclamada, Bread's Indústria de Alimentos Ltda., na função de auxiliar de entrega (fls. 113/114), no período de 28/07/2010 a 12/01/2012 (fls. 141/142). Sua atribuição junto à reclamada envolvia a entrega de pães na região metropolitana de Porto Alegre.
A reclamada se insurge quanto à condenação ao pagamento de horas extras sob o argumento de que, em razão da natureza externa da atividade do reclamante, havia incompatibilidade de controle de jornada, nos termos do art. 62, inciso I da CLT.
O tema vem disciplinado nos artigos 62 e 74 da Consolidação das Leis do Trabalho. O primeiro estabelecendo que "Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados "; o segundo, disciplinando o sistema de horário de trabalho. Esse mesmo artigo 74 em seus parágrafos segundo e terceiro, após tornar obrigatório o registro da hora de entrada e de saída para os estabelecimentos com mais de dez empregados, disciplinou a situação dos trabalhadores externos sujeitos a controle de horário da seguinte forma: § 3º - Se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder, sem prejuízo do que dispõe o § 1º deste artigo. Tema igualmente alvo de antiga Portaria MTPS/GM 3.626,de 13.11.1991, dispondo o que segue: "Quando a jornada de trabalho for executada integralmente fora do estabelecimento do empregado, o horário de trabalho constará também de ficha, papeleta ou registro de ponto, que ficará em poder do empregado".
Leitura sistemática das normas sobre duração do trabalho confirma o entendimento de que serviço prestado externamente não afasta, por si só, o direito ao recebimento de horas extraordinárias. A exceção à jornada normal, prevista no Capítulo II, do Título II, do Diploma Consolidado, diz respeito àqueles empregados que prestam serviços com total autonomia quanto ao horário, ou ainda, aos que prestam serviços em condições tais que torne ao empregador impossível o controle.
Homero Batista Mateus da Silva, em sua obra Curso de Direito do Trabalho Aplicado ,Jornadas e Pausas explica que o serviço externo precisa ser: a) verdadeiramente incompatível com o controle de de jornada, no sentido de impossibilidade física; b) a fiscalização pode ser exercida pelo empregador por diversas formas que não apenas o controle escrito, lidando-se neste campo com um vasto número de indícios e presunções; c) o comparecimento do empregado às dependências físicas do empregador é irrelevante,pois há diversas outras maneiras de fiscalização de conduta; d)o ônus da prova variará de acordo com as medidas tomadas pelo empregador para o enquadramento legal; d)o impacto dos meios eletrônicos de telecomunicações de rastreamento de produtos e serviços revolucionaram a interpretação do art.62, (....) Refere,o ilustrado doutrinador, que incompatibilidade física de controle decorre em razão da carga de trabalho desenvolvida pelo empregado, seja pelas distâncias remotas que o separam do empregador , seja pela natureza dinâmica de sua atividade.Mero desinteresse do empregador em investigar a jornada de trabalho do empregado não serve para configurar a incompatibilidade ( 2ª edi. revista e atualizada, Rio de Janeiro: Elsevier,2013 p.103/104).
No caso dos autos, a reclamada, em depoimento pessoal, admitiu que "o reclamante tinha que comparecer na sede da empresa diariamente no início e no término da jornada", e que "os vigilantes da portaria é que controlam os horários de entrada e saída dos caminhões (...)" (fl. 173). Dessa forma, ainda que o autor exercesse atividade externa, havia não apenas a possibilidade, mas a efetiva realização de controle de jornada por parte da reclamada, já que era exigido do reclamante o comparecimento na sede da empresa ao início e término do dia de trabalho, sendo registrados os horários de entrada e saída dos caminhões. Assim, apesar de a reclamada argumentar que procedeu ao devido registro na CTPS do autor, a atividade do reclamante não pode ser enquadrada no art. 62, inciso I da CLT, já que era perfeitamente viável o controle de jornada.
Não viga o argumento de que a prova oral produzida aponta para inexistência de controle de horário. Com efeito, de acordo com a prova testemunhal produzida pela defesa (fl. 174) que "o reclamante não tinha controlado o horário" (Ricardo) e que "não existe controle de horário; não havia contato com o reclamante durante a rota" (André). Todavia, estas declarações não autorizam concluir que controle de horário era incompatível com a função exercida. Havendo possibilidade de registro, e contando a empresa com mais de dez empregados, constituía dever da ré proceder ao devido controle de jornada, nos termos do art. 74, § 2º da CLT, motivo por que a ausência de controle, nessas condições, constitui omissão no cumprimento do dever legal de documentação.
Relativamente à jornada arbitrada, a reclamada pede que o término seja arbitrado às 17 horas, e não às 17h30min, como determinou a sentença.
Na inicial, o autor refere que sua jornada, em média, ia até as 17h30min (fl. 02). A segunda testemunha da reclamada (André) admite o seguinte: "o depoente trabalha das 6h30min até 17h ou um pouco mais, estando sujeito a horário variado; quando o depoente chegava o reclamante ainda estava junto aos caminhões fazendo o carregamento; normalmente o reclamante retornava das rotas por volta das 17h, sendo que nessas ocasiões retirava o produto excedente até a rampa de carregamento e depois ia embora" (fl. 174). Embora a mesma testemunha tenha afirmado "que nenhum cliente gosta de receber os pães após as 16h", deve-se atentar para o fato de que a função desempenhada pelo reclamante junto à reclamada envolvia uma série de atribuições que não apenas a entrega propriamente dita. Dessa forma, do depoimento prestado pela testemunha da reclamada André, extrai-se que o reclamante finalizava seu expediente externo por volta das 17h, mas ainda realizava atividades junto à reclamada depois disso - "retirava o produto excedente até a rampa de carregamento e depois ia embora". Nesse contexto, deve ser mantida a finalização do expediente do reclamante às 17h30min, conforme estabeleceu a origem.
A reclamada pleiteia a exclusão ou a redução da frequência quanto ao arbitramento da jornada realizada aos sábados.
Na petição inicial (fl. 2) e em seu depoimento pessoal (fl. 173), o reclamante refere que trabalhava de segunda a sábado. A sua testemunha Clóvis igualmente refere"que o reclamante trabalhou como seu auxiliar por 30 dias, em 2011, ocasião em que trabalham de segundas a sábados" (fl. 173-verso). A sua segunda testemunha, Getúlio, não traz informação específica a respeito do labor nesses dias.
Em sentença, o Juízo deixou de considerar o depoimento da primeira testemunha do reclamante, "pois as informações prestadas por ele destoam consideravelmente da jornada descrita na própria petição inicial" (fl. 186).
A respeito do assunto, as testemunhas da reclamada (fl. 174) afirmam o seguinte: "que o horário do reclamante era de segunda a sábado, mas dificilmente comparecia no sábado" (Ricardo) e "que normalmente o reclamante não trabalhava aos sábados, pois não gostava de trabalhar aos sábados" (André).
Em sentença, foi reconhecido o labor do reclamante em 2 sábados por mês, nos seguintes termos (fl. 186):
Quanto ao trabalho aos sábados, verifico que a prova testemunhal produzida pela reclamada é no sentido de que o reclamante não trabalhava na maioria dos sábados, mas quando o fazia, a jornada ocorria das 06h às 12h. Neste caso, considerando o decidido quanto ao reconhecimento do direito do autor ao pagamento de horas extras e, considerando, ainda, a ausência de juntada aos autos de controles de horário, aplico à reclamada a pena de confissão e reconheço o labor das 6 horas às 17h30min horas, de segunda-feira a sexta-feira e em dois sábados por mês, das 6 horas às 12 horas.
Nesse contexto, a reclamada afirma, em suas razões recursais, que "não poderia haver condenação em 50% dos sábados mensais, eis que a sentença reconhece que o labor nestes dias não era habitual (...)" (fl. 192).
Sem razão, contudo.
Conforme se observa no trecho acima, a sentença não reconheceu que o reclamante não trabalhava na maioria dos sábados, mas apenas manifestou que a prova testemunhal produzida pela reclamada é nesse sentido. A decisão quanto ao labor aos sábados tomou por base, sobretudo, a pena de confissão aplicada à reclamada em razão da ausência de juntada dos controles de horário, a qual, conforme já sustentado, estaria obrigada por força do art. 74, § 2º da CLT. Dessa forma, devido o arbitramento realizado pela origem, não podendo ser majorado sob pena de reformatio in pejus.
Por fim, a reclamada pleiteia que a condenação se restrinja ao pagamento do adicional de 50% sobre a jornada extraordinária, argumentando que a hora normal já se encontra contraprestada no salário mensal.
Novamente sem razão. O salário normal recebido corresponde à remuneração da jornada ordinária do empregado, acrescida dos repousos semanais remunerados. A remuneração da jornada extraordinária não se presume incluída no salário normal, de forma que deve ser mantido o entendimento manifestado na sentença.
Provimento negado.
2. INTERVALOS INTRAJORNADA
A sentença condenou "a reclamada ao pagamento de 01 hora extra por dia trabalhado, com os adicionais previstos em norma coletiva de trabalho e, na ausência destes o legal, observado o horário de segunda-feira a sexta-feira e em dois sábados por mês, observado como base de cálculo o salário básico, com integrações em aviso prévio, 13º salários, férias com 1/3 e FGTS com 40%, com exceção dos dias que recaírem em feriados, férias e outras ausências comprovadas nos autos" (fl. 187-verso).
A reclamada pede a reforma, com fundamento no enquadramento do autor no art. 62, inciso I da CLT e na prova oral. Sucessivamente, pede a redução do intervalo arbitrado, e a condenação ao pagamento apenas do trampo faltante para completar 1 hora.
Analiso.
Conforme já examinado no item anterior, indevido o enquadramento do reclamante no art. 62, inciso I da CLT.
A respeito do assunto, a prova oral produzida foi no seguinte sentido (fls. 173/174):
DEPOIMENTO PESSOAL DO RECLAMANTE: "trabalhava a partir das 5h, sem intervalo para almoço, sendo que o horário mais cedo que poderia encerrar o expediente era 14h/14h30min e o mais tarde as 23h".
PRIMEIRA TESTEMUNHA DO RECLAMANTE: "que não havia intervalo para almoço em virtude das entregas; que alguns estabelecimentos não fecham ao meio dia".
SEGUNDA TESTEMUNHA DO RECLAMANTE: "que não havia intervalo para o almoço".
DEPOIMENTO PESSOAL DO SÓCIO DA RECLAMADA: "os supermercados fecham das 12h às 14h e o reclamante fazia intervalo nesse horário".
PRIMEIRA TESTEMUNHA DA RECLAMADA: "as redes grandes ficam abertas ao meio dia e as pequenas fecham ao meio dia (das 12h às 14h); (...) que o vendedor, o motorista e o auxiliar param juntos para almoçar".
SEGUNDA TESTEMUNHA DA RECLAMADA: "a maior parte dos clientes não recebem a mercadoria ao meio dia; (...) a reclamada orienta os empregados a usufruírem intervalo de uma hora".
No contexto dos autos, portanto, houve duas testemunhas que confirmaram a tese do reclamante, e duas da reclamada. Analisando a versão da reclamada, entretanto, constata-se que existe certa contradição: enquanto a reclamada, em depoimento pessoal, afirma que o reclamante fazia intervalo porque os supermercados fecham das 12 às 14h, a sua primeira testemunha diz que apenas as pequenas redes fecham nesse horário. A segunda testemunha da reclamada, por sua vez, informa que a mercadoria não era recebida ao meio-dia pela maior parte dos clientes, ou seja, não havia impossibilidade total de se fazer entregas nesse horário.
Diante do exposto e considerando que a reclamada detinha o dever legal de registro de jornada, incluídos os intervalos, conforme o art. 74, § 2º da CLT, não merece reforma a sentença.
Provimento negado.
3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A sentença condenou a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 15% do valor da condenação ao final apurado.
A reclamada pleiteia a reforma, sob o fundamento de que a parte autora não está assistida por sindicato da categoria profissional.
Sem razão.
A assistência judiciária gratuita constitui garantia do cidadão prevista na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXXIV, tendo-se como bastante a declaração de insuficiência de recursos para que alcance o benefício buscado, com as isenções estabelecidas na Lei nº 1.060/50. Note-se que não se trata de honorários de sucumbência nos moldes previstos no art. 20 do CPC, mas, sim, de honorários decorrentes da Justiça Gratuita, assegurada pelo Estado ao hipossuficiente.
Aplicável para o fim de deferimento de honorários a Lei 1.060/50, de sorte que a ausência de credencial sindical não tem o condão de afastar o direito ao benefício em causa, incluindo o direito aos honorários assistenciais.
O reclamante apresenta declaração de pobreza, portanto, isento do pagamento das despesas processuais, cabendo ao reclamado o pagamento de honorários fixados em 15% sobre o valor bruto da condenação, obtido na fase de liquidação de sentença, conforme orientação contida na súmula nº 37 deste Tribunal e na OJ nº 348 do TST.
Provimento negado.
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