quinta-feira, 18 de julho de 2013

sem a mínima condição de habitabilidade.

Acórdão do processo 0000972-96.2012.5.04.0103 (RO)
Redator: MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA
Participam: MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO, TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL
Data: 10/07/2013   Origem: 3ª Vara do Trabalho de Pelotas
Andamentos do processo

PROCESSO: 0000972-96.2012.5.04.0103 RO
  
EMENTA
DANOS MORAIS. Sujeitar um trabalhador a alimentar-se fora de alojamento adequado, no meio fio de ruas e calçadas, sem qualquer condição de higiene é expô-lo a situação degradante, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, não apenas interno, mas pelas normas internacionais do trabalho. No caso dos autos, houve afronta ao inc. III do art. 5º,da Constituição Federal (ninguém será submetido a tratamento degradante), o que acarreta o dever de indenizar os danos à integridade e a dignidade do reclamante, que se via obrigado a permanecer por longos períodos e locais sem a mínima condição de habitabilidade 
ACÓRDÃO
por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao recurso  do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00. Valor da condenação que se majora para R$ 13.000,00, e de custas, para R$ 260,00. 
RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida nos autos às folhas 365-9, o reclamante interpõe recurso ordinário (fls. 370-3).
Em suas razões, postula seja a reclamada condenada ao pagamento de indenização por danos morais e horas extras pelo trabalho em domingos e feriados com o acréscimo de 200%, com reflexos.
Não foram apresentadas contrarrazões.
Não sujeito a parecer do Ministério Público do Trabalho.
Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal, os autos sobem ao Tribunal Regional do Trabalho. 
VOTO RELATOR
DESEMBARGADOR MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA:  
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE
1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL
A decisão de piso indeferiu a pretensão obreira quanto à condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais por conta de assédio moral. Ponderou que a tese declinada na petição inicial não é razoável, uma vez que os trabalhadores externos, como carteiros e entregadores em geral, também encontram-se em condições análogas (sem oferta de sanitários e sem refeitórios) e nem por isso se consideram lesados. Destacou que tem conhecimento de que os diversos empregados da reclamada fazem suas refeições em restaurantes locais e que usam os banheiros dos moradores das vias por onde passam fazendo a limpeza.
Inconformado, o reclamante recorre. Sustenta que a reclamada não fornecia banheiros ecológicos, o que forçava os trabalhadores a fazerem suas necessidades fisiológicas na via pública; tampouco ofertava locais adequados para o consumo das refeições, que eram consumidas no meio fio das calçadas e praças. Aduz, que, mesmo dispondo de uma hora de intervalo, o tempo de deslocamento entre o local onde estava sendo realizada a limpeza e sua residência era de 45 minutos; sobrando apenas 15 minutos para descanso e alimentação, aduz que não era possível concretizar o intuito da norma.
Com razão.
Entendo que o ônus da prova de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito vindicado competia à reclamada, que permaneceu deliberadamente inerte.
Por outro lado, o reclamante produziu prova oral em que restou evidenciado o suporte fático referido, nos seguintes termos:
    "[...] que as refeições na beira da calçada, onde houvesse uma sombra; que não havia banheiros no local; que para as necessidades fisiológicas tinham de achar um mato pois banheiros residenciais não eram emprestados; [...]"n (fl. 353)
Sendo presumidamente verdadeira a tese obreira, e admitido em contestação (fls. 157-67) o fato de que não eram oferecidos a seus empregados encarregados da limpeza de vias públicas refeitórios (fl. 160v), concluo que as condições de trabalho eram degradantes. Quanto à oferta de banheiros, em que pese a reclamada tenha afirmado tê-lo feito, não há prova de que efetivamente tenham sido colocados sanitários à disposição dos trabalhadores.
A Convenção nº 120 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 24 de março de 1969, determina que o empregador tem o dever de"tomar providências para que todos os locais de trabalho sejam instalados e mantidos de modo a não produzir efeitos nocivos sobre a saúde dos trabalhadores, que devem ser protegidos contra substâncias e procedimentos incômodos, insalubres, tóxicos ou nocivos por qualquer razão" e para tanto estabelece a obrigatoriedade da manutenção de lavatórios, instalações sanitárias e vestiários adequados e mantidos em condições satisfatórias".
Ainda, o art. 200, inc. VII, da CF, trata da obrigação do Sistema Único de Saúde de colaborar na proteção do meio ambiente, nele incluído o do meio ambiente do Trabalho. Assim, a norma do art. 225, caput, da CF "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações" também se aplica ao meio ambiente de trabalho.
Sujeitar um trabalhador a alimentar-se fora de alojamento adequado, no meio fio de ruas e calçadas, sem qualquer condição de higiene é expô-lo a situação degradante, o que é vedado pelo ordenamento jurídico, não apenas interno, mas pelas normas internacionais do trabalho.
O meio ambiente de trabalho disponibilizado ao reclamante não oferecia condições de ocupação sadia e com qualidade de vida, o que afronta disposição constitucional e não se coaduna com os princípios mais elementares do Direito do Trabalho, entre os quais o princípio da proteção do trabalhador.
No caso dos autos, houve também o descumprimento do inc. III do art. 5º da Constituição Federal (ninguém será submetido a tratamento degradante), o que acarreta o dever de indenizar os danos à integridade e a dignidade do reclamante.
Prospera, pois, a pretensão do autor para se condenar a reclamada ao pagamento de indenização com fulcro no art. 186, do CC e 5º, incs. V e X, da CF.
Nesse sentido cito precedentes do C. TST:
    RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRABALHO DEGRADANTE. CARACTERIZAÇÃO. A conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por dano moral encontra amparo no art. 186, Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CR/88). Na hipótese sob exame, houve ofensa à dignidade do Reclamante, configurada na situação fática descrita nos autos, segundo a qual -A segunda Reclamada não respeitou as necessidades básicas, vitais, fisiológicas de seus empregados, descumprindo normas basilares de saúde e segurança dos trabalhadores; c) A segunda reclamada não disponibilizou abrigos nas frentes de trabalho, quer fixos, quer móveis que protejam os trabalhadores contra intempéries durante as refeições-, consoante expressamente consignado na sentença. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR-2652-94.2010.5.08.0000, Data de Julgamento: 07/12/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma).
    RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ÔNUS DA PROVA. CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE HIGIENE E ALIMENTAÇÃO. Indubitável que as condições de trabalho a que se submeteu o Reclamante atentaram contra sua dignidade e integridade psíquica ou física, ensejando a reparação moral, conforme autorizam os artigos 186 e 927 do Código Civil, bem assim o inciso X do art. 5º da Constituição Federal. Ressalte-se que a conquista e afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural - o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por danos morais encontra amparo no art. 186 do Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CF/88). No caso concreto, o TRT, com base na análise dos fatos e da prova, concluiu que a quantidade de sanitários no local de trabalho do Reclamante era insuficiente para assegurar a higiene dos empregados; não havia divisão por sexo para a utilização dos banheiros; e a água para beber não era potável. Diante deste quadro fático, resta evidente a situação degradante de trabalho a que o obreiro fora submetido. Recurso de revista conhecido e provido, no aspecto.- (Processo: RR-2709-15.2010.5.08.0000, Data de Julgamento: 17/08/2011, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: 26/08/2011).
A fixação do valor da indenização, em se tratando de dano moral, representa tarefa difícil. Sabe-se, entretanto, que o magistrado deve atuar, sempre, pautado na razoabilidade, não podendo olvidar de que a quantia a ser deferida, por força do princípio punitivo-pedagógico, deve ser proporcional à ofensa sofrida. Afinal, é necessário que a importância guarde relação com a condição das partes e com as circunstâncias do ocorrido, não se admitindo locuplete ou empobreça em excesso nenhum dos envolvidos.
Assim, fixo a indenização por danos morais em R$ 3.000,00, por entender proporcional aos critérios adotados. Em um julgamento análogo, foi proferida decisão adotando esse mesmo parâmetro (registro que esta decisão foi referida nas razões recursais):
    INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A indenização por dano moral é devida com a existência do dano e do nexo causal com o ato ilícito praticado pelo empregador. Restou demonstrado pela prova oral que o trabalhador laborava em condições precárias, pois não tinha local adequado para realizar as suas necessidades fisiológicas, nem mesmo lugar apropriado para fazer suas refeições, pois é obrigação do empregador manter um ambiente de trabalho saudável e adequado, mesmo que seja em local externo. Evidente que, nos dias de hoje, existem banheiros químicos que são facilmente transportados aos locais de trabalho externo, para serem utilizados pelos empregados, na ausência de um banheiro comum. Indenização por danos morais devida conforme precedentes deste Tribunal.   (TRT da 4ª Região, 7a. Turma, 0000593-61.2012.5.04.0102 RO, em 17/01/2013, Desembargador Marcelo Gonçalves de Oliveira - Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Flavio Portinho Sirangelo, Desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno)
Dou parcial provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00.
2. TRABALHO EM DOMINGOS E FERIADOS
O Juízo de origem indeferiu a pretensão obreira quanto às horas extras supostamente prestadas em domingos e feriados, porquanto "em 90% dos depoimentos os empregados reconhecem que recebiam folga compensatória durante a semana e deferir seria beneficiar os que não trazem a verdade aos autos uma vez que grandes empresas não tratam empregados de forma diferenciada"
Em recurso, o reclamante sustenta que a prova dos autos conforta seu pedido. Aduz que comprovou o trabalho em domingos e feriados, horas que devem ser remuneradas e dobro, ou seja, com 200%, de acordo com o enunciado 146 do TST, com reflexos.
Analiso.
Constato que não há controvérsia a respeito do trabalho em domingos e feriados, pois a reclamada não nega que isso ocorresse e a prova oral respalda a tese obreira. O debate se estabelece na concessão, ou não, de folgas compensatórias após a ocorrência de trabalho em domingos e feriados.
O reclamante não produziu provas capazes de invalidar os registros de jornada (fls. 229-79), nos quais não há o registro comum de trabalho em domingos e feriados. Localizo, raras ocasiões em que o reclamante prestou trabalho em domingo, como, por exemplo no dia 21.12.2008 (fl. 274).
Entendo que competia ao reclamante o ônus da prova de fato constitutivo do direito vindicado, ônus do qual não se desincumbiu a contento, pois não há qualquer elemento de prova que dê lastro ao suporte fático deduzido na petição inicial, tampouco há evidências de que a reclamada não concedesse folgas compensatórias ao exigir trabalho em domingos e feriados.
Por fim, destaco que o conhecimento dos fatos locais do Magistrado de origem deve ser levado em consideração, especialmente, os consignados em sentença quanto à jornada exigida dos empregados da reclamada.
Mantenho a sentença.
Nego provimento ao recurso.

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